INÉDITOS
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Permanecem aqui alguns textos não publicados, em gaveta aberta.
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Ao Domingo com...
De que se fala ao espelho? Distraio-me depressa com a ideia que tenho de feia. Não tanto ao domingo de manhã, dado que terei dormido bem. O cabelo havia de ser arranjado. Não há tempo. Quando era pequena, esticava os olhos, parecia chinesa. Testava se a firmeza duraria o suficiente para manter a ilusão até me apresentar a alguém, mas caíam logo na portuguesa. De quem gosto. Enfim, é a minha caixa. Fui aqui depositada, confiaram-me este corpo. Para que me sirva enquanto por aqui ando. Gosto de o fazer dançar. Enquanto não me olhar ao espelho, estou segura. Se apanho o reflexo, desmancho a elegância. Sou francamente ridícula a dançar. Hoje é preciso fazer jantar. Olhem estas mãos, estão a envelhecer, está aqui um relógio. Não te esqueças que a caixa se cansa. Os meus filhos aparecem na figura e riem-se, que está a mãe a fazer. A tentar saber de si. E caso não houvesse espelhos?, pergunto a este. Que seria da reflexão. Teria de confiar no que me ditassem de mim. Como sou? És assim mais curva no lado direito e o nariz tem um alto. E o alto faz-me bonita, ou faz-me feia, teria de perguntar. És tu, teriam de me dizer, por educação e afeto, pois que a poucos se pergunta como sou. Passaria a estar consciente de um alto no nariz, sem saber o que pensar dele. Teria de o esquecer, para que não me distraísse de dançar.
Texto-entrevista concedido ao blogue O Tempo Entre os Meus Livros, publicado em 4 de março de 2018.